Noutro
dia quando fui buscar a minha filha na escola, ela entrou no carro, e
disse: “Mamã, tenho que te contar uma coisa.” O que ela me contou foi um
pequeno filme de terror, que basicamente envolvia uma auxiliar com
muito poucos recursos, e um menino agredido.
Ontem,
quando fui buscar o meu filho a escola a primeira coisa que me disse
foi: “Anda cá mamã, quero te contar uma coisa”… e contou-me outra
história de violência. Desta vez muito menos grave em termos físicos. Em
psicológicos não consigo avaliar.
Photo by Nutdanai Apikhomboonwaroot |
E
há algum tempo atrás assisti a cena de um pai a bater no filho, como
castigo pelo facto de o filho ter batido num amiguinho e ao mesmo tempo
dizendo “Não se bate nos meninos!” (o menino deve ter tido um curto
circuito?)
Acho
que é altura de falarmos de violência. Sim, porque não há outra
palavra… palmadas, surras, sovas, sapatadas, bofetões… são todas
palavras que utilizamos para nós sentirmos melhor e justificar
violência. E violência é violência, e da violência nasce mais
violência.
Sou
do país que foi o primeiro no mundo a criar uma legislação contra
violência física às crianças. Foi em 1979. Se alguém ainda não sabia,
uma lei destas também existe em Portugal, desde 2007. Só para deixar
claro que é ILEGAL, embora muitas vezes socialmente aceite, bater em
crianças.
Uma
pessoa que bate crianças, sejam elas os próprios filhos ou os filhos
dos outros, normalmente faz isso por alguma razão e um objectivo para
ela muito óbvia. Ela, dentro da sua cabeça, provavelmente está a
utilizar uma estratégia que ela acha boa para fazer a criança obedecer.
Há muitos problemas com esta violência. Tanto para a criança como para o
agressor. Vou discutir alguns.
Em primeiro lugar, pensando num assuntos que já discuti, como recompensas ou castigos,
uma pessoa que utiliza violência para se impor, nunca está a ganhar
respeito. A única coisa que “ganha” é o medo que a criança sente. A
criança nunca irá respeitar um agressor, terá medo dele. Há uma grande
diferença entre ter autoridade e exercer autoridade. Uma pessoa que
bate, nunca terá autoridade, está unicamente a exercê-la.
De acordo com o Jesper Juul, a violência exercida sobre uma criança terá sobretudo quatro tipos de resultados.
-
Emocionalmente a criança irá apagar a ansiedade, a dor e a humilhação
da sua mente, e lembrar-se da sua infância como relativamente feliz.
- Mentalmente vai ficar da opinião que violência na educação das crianças é justificada quando as crianças assim merecem.
-Existencialmente
e pessoalmente vai sofrer de baixa auto-estima (o que não quer dizer
baixa auto-confiança), e vai ter dificuldade em respeitar os limites
pessoais dele próprio e das pessoas a sua volta. É provável que tenha um
comportamento auto-destrutivo.
-Fisicamente
também terá sintomas, como dores e tensão nas costas, barriga e peito.
Sintomas que serão mais notáveis no contacto com os mais próximos.
A
gravidade destes resultados dependerá de uma série de outros factores.
Se além da violência houver problemas na família como toxicodependência,
instabilidade emocional, resultados na escola etc. Além de mais graves,
os resultados notam se mais cedo e vamos ver coisas como dificuldades
de aprendizagem, comportamento “inadequado”, criminalidade, experiências
com álcool e drogas, vandalismo….. Tudo, resultado do facto de os pais,
através dos seus actos de violência, terem ensinado a criança que não é
necessário respeitar e cuidar da sua própria integridade física e
psicológica, nem das outras pessoas.
E
então, não costumo bater no meu filho, nem quero nada disso, mas já
aconteceu passar-me da cabeça, já fiquei desesperada, perdi o juízo e
dei um bofetão…. Há alguma coisa que posso fazer para minimizar o efeito
do meu comportamento?
Todos
nós já fizemos coisas “erradas”, e certamente ainda estão muitas por
fazer. O primeiro passo é tomarmos consciência do nosso comportamento. O
Jesper Juul sugere que há uma coisa que se pode fazer para minimizar o
efeito da violência assumir total responsabilidade pelo que aconteceu, emocionalmente e verbalmente. Após a situação, restabelecer o contacto com a criança e dizer: “Estou
muito triste por te ter batido. Quando te bati, pareceu-me a coisa
certa. Não foi. A culpa é inteiramente minha e quero te pedir desculpa
por isso.”
Assumir responsabilidade total. Sempre. Pelos nossos actos todos.
Alguém se calhar preferia dizer: “Anda
aqui querido… desculpa, desculpas-me?… não foi de propósito… a mamã
está triste por ter feito aquilo, nunca se vai repetir, prometo, vamos
esquecer isso agora”. Em primeiro lugar, essa versão não tira a
culpa da criança uma vez que a mãe não assume a responsabilidade (“não
foi de propósito”), em segundo é pedido a criança para desculpar a mãe
(o que não é a mesma coisa que pedir desculpa) e no fim é feita uma
promessa que por falta de auto-conhecimento, certamente será
quebrada.
Além dessa versão temos também a versão mais pedagógica que procura dividir a culpa.… “Estou
muito triste, peço desculpa, não sei o que aconteceu… mas também tens
que perceber que quando fazes assim, a mãe….bla bla bla” Uma versão que vai reforçar o sentido de culpa tanto na criança como no adulto.
Cada
vez que escolhemos não assumir responsabilidade total pelos nossos
actos estamo-nos a decepcionar a nos próprios e a por um peso em cima
dos ombros das pessoas a nossa volta. E isso só pode afectar as nossas
relações negativamente.
Na relação entre adultos e crianças, violência é sempre a responsabilidade do adulto. Também quando é a criança a bater.
Agora,
imagina, estás no teu local de trabalho. Uma reunião está prestes a
começar e alguns dos participantes, incluindo tu, estão a conversar. O
chefe já pediu que se “calassem”, mas não lhe ligaram muito. Após a
segunda ou terceira tentativa, tu ainda estás cheio de coisas para dizer
(e além disso, ainda não percebeste o porque da reunião e a forma que o
chefe te pediu, não foi nada simpático) e continuas. O chefe vai para a
tua beira pede a tua mão. Tu das lhe a mão, e ele, pimba, bate-te…
Em
Portugal e em todo o mundo fala se da forma que os adolescentes se
estão a “portar”, que são violentos, que não sabem respeitar a
autoridade, que são irresponsáveis etc. e políticos junto com muitos
pais, falam em soluções envolvendo castigos e penalizações mais graves.
Eu digo como o meu guru Jesper:
“Isso
não é só absurdo- é mais ou menos tão responsável e esperto como se
sugerissem que o défice do orçamento do Estado fosse financiado com o
dinheiro de Monopólio das crianças.”
Os
adolescentes vão se sentir cada vez pior… e o cenário só vai mudar
quando os adultos assumem a responsabilidade pela violência física, e
psicológica, que utilizam na sua relação com as crianças.
Se
queremos mudar o mundo um dos principais passos é mudarmos a forma como
tratamos as nossas crianças. E isso, acho eu, é urgente.
Lembra-te, violência é sempre violência...
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