Como medes o teu “sucesso” como mãe/pai? Quando os teus
filhos estão bem comportados? Quando os teus filhos estão felizes? Quando estão
alegres e cheios de boa energia? E quando se “portam mal” ou estão chateados ou
tristes, como te sentes como mãe/pai?
Muitas vezes quando o estado emocional do nosso filho não
está no registo positivo começamos a culpar alguém. Muita gente culpa os
filhos, e alguns pais culpam se a si próprios. E o que acontece, num caso e no
outro, é que quase à força, tentamos (e obrigamos) a criança a sair do seu
estado negativo. E muitas vezes a razão (que é difícil admitir) é para nós nos sentirmos
como bons pais. Que estamos a fazer um bom trabalho como pais.
Um dos momentos mais desafiantes que temos como pais e
lidarmos com as “birras” dos nossos filhos. Acredito que a grande maioria dos
pais nem se importavam de nunca ter que lidar com uma birra. Verdade? As birras
fazem-nos sentir frustrados, irritados, desamparados, tristes, zangados…. E se
não conseguirmos resolver a birra, sentimo-nos maus pais….
Mas sabem o que eu digo. Viva as birras! Ajudam-me aprender mais sobre os meus filhos, fico a
perceber que algo na nossa relação não está bem, ponho a minha congruência a
prova e temos, eu e a criança, uma oportunidade para melhorarmos a nossa
relação e crescer!
Essa vontade de sermos pais bem-sucedidos, leva nós a
aplicar estratégias e até fazer cursos, com a seguinte mensagem:
"As birras podem
ser destrutivas de todo um bem-estar familiar. Simples chamadas de atenção,
desafios à autoridade parental ou reflexos de
inconsistência na aplicação de regras e limites por parte dos cuidadores, o
facto é que não sendo geridas correctamente vão determinar um crescimento com
dificuldades progressivas na adaptação aos modelos sociais que irão acolher os
seus filhos pela vida fora. Neste pequeno seminário poderá aprender estratégias
eficazes para sociabilizar os seus filhos tranquilamente, garantindo-lhe um
futuro em que as relações interpessoais lhe possam ser favoráveis."
(retirado dum site de um grande Gabinete de Psicologia que oferece cursos à
pais)
Assim a primeira vista, para alguns muito
provavelmente pode fazer muito sentido. Mas pergunto-me, se nos limitarmos a
ver as birras desta forma, que tipo de adultos vamos ter no futuro? Vamos
realmente ter pessoas com "relacionamentos interpessoais favoráveis",
ou vamos ter pessoas emocionalmente reprimidas (com todas as suas
consequências)? Vamos ter pessoas aptas para lidarem se a si próprias e ao
nosso mundo, ou pessoas criadas para o industrialismo (uma era que já passou)?
Vamos ter pessoas que sabem falar do que sentem no coração com facilidade, ou
pessoas que desenvolvem patologias psicológicas?...
E agora dizes tu, pronto, isto é tudo muito bonito, mas como
lido então com uma birra!? Aha,
boa pergunta… e a resposta é…. Depende!
Em primeiro lugar costumo recomendar fazer um “troubleshooting”
(aquele tipo de pesquisa que os informáticos fazem quando procuram qual o erro
no pc… ;o)), começando pelas seguintes perguntas:
A criança tem sono?
A criança tem fome?
As respostas a essas duas perguntas já te dão
automaticamente a estratégia a seguir…
Depois, pensa bem nas birras que o teu filho faz. São recorrentes? Quando acontecem? Sempre
a mesma hora? Na mesma situação?
No meu caso por exemplo, quando vou buscar o meu filho de 4
anos à escolinha, sei que a probabilidade de vivermos uma birra no carro é… no
mínimo grande. Ele normalmente está a beira da exaustão quando entra no carro,
e cansaço é mesmo o “trigger” dele para birras. Depois, qualquer coisa pode-se
tornar um “problema”, falta de agua, muito sol, calor, frio… seja lá o que for.
Para minimizar a probabilidade de uma birra sei que posso fazer certas coisas.
Ter água no carro, uma protecção para o sol, por exemplo. E se me tiver
esquecido de água, posso explicar isso antes de entrar no carro e assegurar que
ele beba água na escola antes de sair. Ou seja, procuro ser pro-activa porque conheço
bem o padrão do meu filho.
E quando acontecer uma birra, o mais importante é eu manter
a minha calma. Sem dizer muito, ouço o que ele tem a dizer. Não vale a pena
estar com muitas explicações, no meio da birra o cérebro dele não liga nada a
isso. Procuro dizer coisas como “Ouço/vejo que estás muito chateado. Daqui há 5
minutos já posso parar e vamos resolver isso…”. Procuro me manter o mais presente possível (e as vezes acaba por adormecer).
Numa situação em que estamos em casa mantenho-me por perto e
demonstro empatia. As vezes pode ser preciso ajudar a criança a fazer uma
escolha, por exemplo… Se a tua filha escolheu um vestido para a escola, mas
quando a queres ajudar a vestir, já não quer aquele vestido. Quer outro. Deixas escolher outro. Se não
parar aí, é muito provável que a criança tenha frustração por libertar. Nessa
situação, não ajuda continuar a procurar vestidos, procura dar a criança a
escolher entre os dois primeiros vestidos. “Gostava que escolhesses um de estes
dois vestidos”…
E em lugares públicos, faço tudo igual, procurando primeiro
encontrar um cantinho mas privado (o que em situações extremas pode querer
dizer que tenho que pegar na criança aos berros, desagradável, mas no meu ver
compensa ;)).
Mas se eu aceitar estas
birras, que mensagem estou a passar? Aceitando este tipo de comportamento a
criança vai achar que é aceitável? Não é melhor por a criança de castigo ou
arranjar uma consequência dura para ela aprender?
Quando a criança está
no meio de uma birra o cérebro está em “modo birra” quer dizer que a criança
não tem acesso nenhum a “razão”, não sente empatia… e falando com ela,
procurando chama-la a razão, criticando o comportamento, dizendo qual o
comportamento aceitável, falando em consequências e castigos, não estamos a
ajudar a criança a ter acesso às partes do cérebro que a vão ajudar a acalmar. É
normal uma birra demorar 5-15 min. Cientistas descobriram que as birra até têm
um ciclo previsível, e sabias que parece que quanto mais nos esforçamos para
parar a birra, mais a prolongamos? Se pensares no teu próprio filho imagino que
consigas ver um padrão. Podes ver um exemplo aqui.
(não sou a maior fã
deste vídeo, mas fica-se com uma ideia)
Não há provas
absolutamente nenhumas, que castigos e consequências sejam boas ao médio e
longo prazo. A curto prazo, sim, há muitas provas. Mas que mensagem estou a
passar, o que é que o meu filho aprende, seu eu utilizar este tipo de
estratégias para uma birra?
Entre outras coisas,
estou a passar a mensagem que está algo de errado com o meu filho. Como a
criança não consegue separar a pessoa do comportamento ela leva tudo ao peito,
o que torna-se devastador para a auto-estima. Também passo a mensagem que eu
como mãe/pai, não me preocupo com o que ele sente. Passo a mensagem, que não
vale a pena exprimir os meus sentimentos e as minhas emoções (porque o meu
pai/a minha mãe não só não se interessa, como não gosta de mim quando o faço). Ainda
pior para a auto-estima. Como pai/mãe perco uma grande oportunidade de dar uma
lição de empatia (e se a criança não sentir a empatia dos outros em situações
para ela emocionalmente importantes, vai ter dificuldade em sentir empatia no
futuro). E além dessas coisas não estou a ajudar o meu filho a lidar com as
emoções fortes e a encontrar estratégias alternativas.
A frustração tem de
sair, e com o tempo e a tua ajuda a criança vai encontrar outras formas de
aliviar a tensão. A partir dos 3-4 anos podemos conversar com as crianças sobre
as suas grandes birras, num momento completamente desligado da birra. Pede para
ela contar o que aconteceu, ajuda se achares necessário. Faz perguntas,
procurando dar palavras às emoções que a criança demonstrou, faz ligações entre
os acontecimentos. É extremamente importante não fazer qualquer juízo de valor…
só vale feedback meramente descritivo!
“Eu não te deixei comer
mais chocolate e tu ficaste muito zangado comigo, foi?”
E dependendo da criança
também podemos perguntar:
“E o que achas que
poderias ter feito em vez de X?”
E agora o próximo
passo, algumas vezes, a birra provavelmente nada tem a ver com aquele
chocolate, não é?... Se quisermos expandir o "troubleshooting" e dar mais um passo no caminho de sermos pais
cada vez mais conscientes e atentos, a fase seguinte é refletirmos num outro
nível sobre as birras…
Que necessidade (não preenchida) estará por trás da
birra que o meu filho está a fazer? Por exemplo, os meus filhos estão num estado emocional mais fragilizado quando o pai está muitas vezes fora de casa, ou quando eu não lhes estou a ver bem.
Mas isso, fica para outro post.
(Ahhh, mas eu já pus o
meu filho de castigo quando ele faz birras, já gritei com ele, já disse que ele
se estava a portar muito mal e…… e agora? Calma! Felizmente nunca é tarde para
mudarmos as nossas estratégias! O nosso cérebro, tem algo chamado plasticidade,
novas ligações neuronais são criadas a toda a hora, e se tu mudares as tuas
estratégias e passares a utilizar estratégias mais empáticas, são essas que
terão a maior influência no teu filho. E quanto mais cedo, melhor!)
Boas birras!
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Se quiseres saber mais sobre o funcionamento do cérebro da criança durante por exemplo uma birra (um conhecimento muito muito útil!), aconselho a leitura do "The Whole Brain Child" de Daniel Siegel e Tina Payne Bryson.